terça-feira, 3 de março de 2009
Sensorialismo & Sigilo
Desperto no meio da noite e escrevo para o teu corpo.
Vejo mãos em cores disformes, afagando meus tons no escuro. Passam tempos até que eu perceba que é tua a pele que me toca. Matizes e tons de vermelho: é nítida tua distorção. Embriagado, não distingo teus traços. Enxergo apenas teu calor, que encharca o quarto e o lençol. Continuas a me afagar e me pede que fique onde estou. Teu tom é berrante, mistério e prisão. A rotina da mão é o toque.
Olho para o relógio e já são mais de mil horas. E o tempo não é resistência, ele está em nossa função.
Não me atrevo a olhar-te nos olhos. Tenho medo de qualquer feitiço. Mas em vão é esse feitio e teus ares me lembram suspense. São suspiros ao pé do ouvido, que descem, que sobem, que entram. Em transe, te conto desejos. Me ouves com calma e anseio. Passeio através de teus fios, castanhos, dourados, azuis. Me cobres de carne e querer e desperta meus sextos sentidos. Lúcido, corro por ti, deslizo em teu rio de sonhos. Lúcida, enxerga através de meus olhos e me atira no vale do existir.
E descubro que é válido existir.
Encontro espelhos quebrados e outras formas geométricas. Úmido o ar que nos cerca. Úmidos lábios em festa. Afogo-me em gostos e ondas. Oscilas e, trêmula, canta. É fácil morrer nesse mar e deixar que a corrente carregue. Descansas teu peso em meu peito e ateia minha íntima chama. Te chamo de luz e de cria, te cuido, te afago, te canto. Exalas teu doce perfume, que é misto de tudo que gosto. Deságuo, em teu corpo, meu ser. Tua voz ecoa no quarto, e as paredes desabam em mim. Senso, rio a esmo.
Teu sensorialismo é divino.
Envolves-te em véus coloridos, e dá piruetas de louca vertigem. Escondo-te em braços cansados, fechados e feitos de sal. Brincamos em volta do mundo e chovem grisalhos papéis. Estranha essa sua mania de conversar com nuvens. Pintar os azuis de anil e mudar a vontade dos ventos. É teu o céu que me cobre, é teu o semblante que vejo. Encontro palavras perdidas em linhas imaginárias. Mensagens do norte e do sul, pedidos de paz e conversas. Divido meu ser em dois lados e cerco teus panos finos. Você me concede um desejo e novamente estamos voando. Entre cores e sons dissonantes, é mágico o calor que te treme.
E ainda estamos um dentro do outro.
Pergunto se queres parar e viver de novo esse sonho. Agora te miro nos olhos e pinto tua boca de ouro. Teu pranto me cobre o rosto e o resto é paralisado. Ainda estamos molhados, ainda estamos aqui. Um sino bate a distância e te informa que já é tão tarde. Só ouves metade; bobagens, a noite é um túnel sem fim. Pergunto se queres parar e viver de novo esse sonho. Tu somes num gesto vazio e me toma um sentido estranho. O que será que será?
E o que seria se deveras fosse?
Agora não sinto mais nada, e torpe me embalo em teus versos. Embora já seja futuro, ainda penso no futuro do pretérito. As cortinas malucas se fecham. Desacordado, passo mil tempos afagando-te. Sensorialismo e sigilo.
Até mais ver.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
ah! é vc né? :D (eu não sabia o seu sobrenome..)
ResponderExcluirnossa. muito lindo. adorei. adorei mesmo. ;D
"até mais ver."
queria não ter te cortado,
ResponderExcluirte prendido,
te desestimulado.
Continue!
lindo.lindo
ResponderExcluirTexto lindo.
Uma agonia interminável. Ao mesmo tempo,como vc próprio diz,sigilosa,porém escancaradamente apaixonada.
parabéns.
estarei te seguindo e acompanhando