Aqui em baixo, a vida é muito mais difícil.
Eu não consigo ser estável. Tento todas minhas formas, só querendo me manter. Alternando gerações e explorando ambientes, evitando rimas pobres e fugindo do que dói. Passam várias correntes por mim, mas nenhuma me atrai. De uma larva a deriva, a colônia elaborada. Poderia ser mais pétreo, mas de nada adiantaria. Prefiro viver por aí, transparente como eu só. Flutuando e espalhando meus tentáculos de amor. E esperando encontrar algum. Respirar só é possível quando a água me invade. Se afogar é tentador.
Aqui em baixo, todos querem um pedaço.
É a fome submersa, a cobiça sufocada. Vem em ondas turbulentas, ou de dentro de buracos. É perigoso confiar. Onde quer que eu me encoste, tem algo espreitando cada movimento pulsante que faço. A caçada aqui é livre e acontece todo dia. Dentes e garras valem mais que um sorriso. É preciso estar atento ao que vem de cada lado. Só queria um simbionte, mas não acho nada em volta. Seja séssil ou natante, eles vivem sem sentido, com o único objetivo de sobreviver. As almas por aqui só têm olhos e estômagos. E é por isso que me escondo, é por isso que eu fujo. É por isso que me encho desse amargo veneno. É por isso que o que toco, sente espasmos urticantes. É por isso que minha pele contamina o corpo deles. Ela só quer me proteger. É por isso que eu parto e desço cada vez mais fundo, à procura de paz.
Aqui em baixo, quase não há luz.
O profundo caos marinho é o universo ao contrário. Escuridão total e estrelas espalhadas. Elas piscam e escrevem algo no painel a minha volta. Existe algo ao meu redor que quer se comunicar. Mas não consigo vê-los. Talvez nunca chegue a tal. Talvez nunca os compreenda. Como serão esses seres? Em rápidos impulsos, se deslocam a todo tempo. O movimento é tão lindo que prende minha atenção. Esse jogo de luzes frágeis brinca com meus sentidos e me deixa um pouco tonto. De repente, não sinto mais nada. E percebo que fechei os meus canais, impedindo a água agora. Totalmente paralisado, não consigo respirar. Estou caindo num abismo, e não posso ver o fundo. É quando vejo a ti.
Dançando a valsa das águas-vivas.
Sua cor é diferente. Seus movimentos também. São leves e sutis, mas espanta todos em volta. Sabes manejar a água e usá-la a seu favor. Logo, teu calor me alcança e eu acordo, enfim, da queda. Não sei mais aonde estou, nem como voltar ao raso. Sinto que tudo que eu tenho que fazer é te seguir. Nada te atinge, suas manobras são perfeitas. És a proteção em epiderme, mesogléia e osso. És a calma transparente e iluminada por si mesmo. Chego perto, preciso te sentir. Te passar a sensação que não cabe em minha cavidade. De repente, percebe minha presença. Me convida pra dançar e eu sigo o teu chamado. Nós fazemos cada passo como se fosse automático. Nós descemos e subimos, espirais, redemoinhos... e o mar é todo nosso.
E então, nossos ropálios se tocam.
Se eu tivesse, agora, um músculo toráxico que estimo que terei só daqui a milhões de anos, ele com certeza estaria explodindo. E eu fervo ao seu toque, e brilhamos como um só. Retornamos à superfície numa bolha de sabores. Tudo agora é tão mais claro, mais seguro e mais estável. A aventura continua, e não nos separamos mais. Nossas ondas se espalham e sentimos nossos poros. Não há nada comparado à cor de nossos corpos.
A vida aqui embaixo, agora é muito mais azul.
sábado, 19 de fevereiro de 2011
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