Um sonho nada mais é do que um par de olhos fechados dançando com um par de olhos abertos.
Acredito na valsa do universo. Na eterna dança gravitacional dos corpos celestes. Como poderia nega-las? Estão ao alcance dos olhos, em céu aberto, um infinito de estrelas novas no salão das teorias cósmicas. Milhares de luzes brilhantes, ardentes, quase coracionais. E eu vago pelo céu eterno distribuindo olhares descomplexos. Quanto mais eu corro, mais eu fico tonto. E se fecho os olhos por mais de três segundos, num breve desmaio, estou sonhando. Os meus olhos fechados procuram, nas profundezas de minhas redes sinápticas, na jugular dessas minhas retinas, os últimos olhos abertos que vi; os mesmos que me causaram tontura e me fizeram fechar os olhos. É fácil ciar uma imagem no escuro da sua consciência. Difícil é fazê-la dançar.
Acordar é o momento mais perigoso do dia, como diriam os humanos que acordaram insetos.
É o momento em que se vê o que mudou durante a noite. É o momento em que todas as ondas que ultrapassaram a viva matéria, realistas ou fantásticas, se prendem aos olhos de quem acordou. É a impressão do que foi desenhado. É o bebê acordar e ver que nasceu. É o Sol levantar e já estar feito o dia. É a flor se abrir quando é primavera. São as dores no corpo e a garganta vazia. É o sangue na faca da noite passada. É o gosto do crime dormente e dormido. É o gosto do beijo do bêbado fraco. É o não lembrar se o beijo realmente aconteceu. Ninguém acorda do sonho sendo a mesma pessoa. Há um pouco de metamorfose real em cada beijo sonhado, em cada crime pensado, em cada gosto forjado. E se há metamorfose, se há sentimento incrustado, se há os prazeres (ou dores) na carne, quem pode dizer que não foi real?
Um dia, sonhei com a menina de cabelos roxos.
O roxo é o vermelho enraivado. É a cor do veneno. Dos monstros do espaço. Do fundo do lago. Do rosto apanhado. Do céu já cansado. Mas havia algo de sereno na sua imagem. Talvez o fato de estarmos juntos, e eu, sem nem saber porque eu queria aquilo, mas, de fato, querendo, olhava pros teus olhos e eles demonstravam calma. Um caminho dourado pelas tuas íris, uma estrada de tijolos lisérgicos mas, nem por isso, irreais. Havia um campo de possibilidades dentro daquele espelho e você me convidava pra entrar e correr. E uma voz me dizia que em algum ponto, no meio do vácuo celeste, no meio do campo sagrado, havia um templo. E dentro desse templo, uma jóia tão rara, que de tão rara, tinha a beleza igualada à beleza dos puros amores. Devo admitir que sou curioso e, mesmo sem saber porque eu queria aquela jóia, mas, de fato, querendo, me deixei levar pelo onírico ser que era você. Pensei muito em você por um tempo alargado. Mas eu nunca mais acordei de um beijo.
És peixe quando oferece loucura e desperta a razão.
Foi quando a aurora chegou invadindo o salão que me vi deparado com sua verdadeira forma. Você me pegou pelo braço e me levou até o outro lado do lago. Atravessamos a ponte mais longa que alguém já cruzou. E durante o trajeto, a noite foi acordando, tornando as possibilidades impossíveis. Tornando o louco, real. E o gosto do beijo foi se perdendo, pois seguiu o caminho errado, e por isso, calou-se na noite. Vi, então, a Lua abaixar seus óculos, e, pintada de cores que eu nem sei o nome, olhar em meus olhos, pela primeira vez de uma forma que eu pude ter certeza que era real. E, entao, pude observar, através das lentes leonesas que prismavam cada raio de sol e cada gota de chuva, como a luz se dividia e ferozmente iluminava cada íris de uma cor, criando nao apenas um, mas dois satélites naturais que coordenavam tudo que havia envolta desse lindo corpo celeste, capaz de gerar o frio e o calor, além de alterar as correntes marítimas. Neste momento, seu cabelo voltou a ser negro. Você me levou pro outro lado do lago e me atirou na realidade. Me acordou de um sono profundo e eu, tímido, não soube dizer o quanto era linda você de verdade.
'You two will meet, then you will have a dance. Then, your eyes will meet and it will be awkward.'
O sonho é a mais linda forma de arte. O imaginário nos leva a criar personagens que desempenham o brilhante papel de ser o que já foi, está sendo ou um dia será. O difícil é descobrir em que presente estamos. Mas, uma vez alcançada a sintonia da dança entre o par de olhos fechados e o par de olhos abertos; uma vez projetado o reflexo harmônico das íntimas íris num plano perfeito (sem altos nem baixos); uma vez amado o que nunca foi visto, e jogado no espaço há muito moldado, o prazer de um sonho firma-se no que nunca foi filmado.
Não obstante, prefiro teus olhos assim. Distantes.
Mas reais.
domingo, 4 de setembro de 2011
sábado, 19 de fevereiro de 2011
A valsa das água-vivas
Aqui em baixo, a vida é muito mais difícil.
Eu não consigo ser estável. Tento todas minhas formas, só querendo me manter. Alternando gerações e explorando ambientes, evitando rimas pobres e fugindo do que dói. Passam várias correntes por mim, mas nenhuma me atrai. De uma larva a deriva, a colônia elaborada. Poderia ser mais pétreo, mas de nada adiantaria. Prefiro viver por aí, transparente como eu só. Flutuando e espalhando meus tentáculos de amor. E esperando encontrar algum. Respirar só é possível quando a água me invade. Se afogar é tentador.
Aqui em baixo, todos querem um pedaço.
É a fome submersa, a cobiça sufocada. Vem em ondas turbulentas, ou de dentro de buracos. É perigoso confiar. Onde quer que eu me encoste, tem algo espreitando cada movimento pulsante que faço. A caçada aqui é livre e acontece todo dia. Dentes e garras valem mais que um sorriso. É preciso estar atento ao que vem de cada lado. Só queria um simbionte, mas não acho nada em volta. Seja séssil ou natante, eles vivem sem sentido, com o único objetivo de sobreviver. As almas por aqui só têm olhos e estômagos. E é por isso que me escondo, é por isso que eu fujo. É por isso que me encho desse amargo veneno. É por isso que o que toco, sente espasmos urticantes. É por isso que minha pele contamina o corpo deles. Ela só quer me proteger. É por isso que eu parto e desço cada vez mais fundo, à procura de paz.
Aqui em baixo, quase não há luz.
O profundo caos marinho é o universo ao contrário. Escuridão total e estrelas espalhadas. Elas piscam e escrevem algo no painel a minha volta. Existe algo ao meu redor que quer se comunicar. Mas não consigo vê-los. Talvez nunca chegue a tal. Talvez nunca os compreenda. Como serão esses seres? Em rápidos impulsos, se deslocam a todo tempo. O movimento é tão lindo que prende minha atenção. Esse jogo de luzes frágeis brinca com meus sentidos e me deixa um pouco tonto. De repente, não sinto mais nada. E percebo que fechei os meus canais, impedindo a água agora. Totalmente paralisado, não consigo respirar. Estou caindo num abismo, e não posso ver o fundo. É quando vejo a ti.
Dançando a valsa das águas-vivas.
Sua cor é diferente. Seus movimentos também. São leves e sutis, mas espanta todos em volta. Sabes manejar a água e usá-la a seu favor. Logo, teu calor me alcança e eu acordo, enfim, da queda. Não sei mais aonde estou, nem como voltar ao raso. Sinto que tudo que eu tenho que fazer é te seguir. Nada te atinge, suas manobras são perfeitas. És a proteção em epiderme, mesogléia e osso. És a calma transparente e iluminada por si mesmo. Chego perto, preciso te sentir. Te passar a sensação que não cabe em minha cavidade. De repente, percebe minha presença. Me convida pra dançar e eu sigo o teu chamado. Nós fazemos cada passo como se fosse automático. Nós descemos e subimos, espirais, redemoinhos... e o mar é todo nosso.
E então, nossos ropálios se tocam.
Se eu tivesse, agora, um músculo toráxico que estimo que terei só daqui a milhões de anos, ele com certeza estaria explodindo. E eu fervo ao seu toque, e brilhamos como um só. Retornamos à superfície numa bolha de sabores. Tudo agora é tão mais claro, mais seguro e mais estável. A aventura continua, e não nos separamos mais. Nossas ondas se espalham e sentimos nossos poros. Não há nada comparado à cor de nossos corpos.
A vida aqui embaixo, agora é muito mais azul.
Eu não consigo ser estável. Tento todas minhas formas, só querendo me manter. Alternando gerações e explorando ambientes, evitando rimas pobres e fugindo do que dói. Passam várias correntes por mim, mas nenhuma me atrai. De uma larva a deriva, a colônia elaborada. Poderia ser mais pétreo, mas de nada adiantaria. Prefiro viver por aí, transparente como eu só. Flutuando e espalhando meus tentáculos de amor. E esperando encontrar algum. Respirar só é possível quando a água me invade. Se afogar é tentador.
Aqui em baixo, todos querem um pedaço.
É a fome submersa, a cobiça sufocada. Vem em ondas turbulentas, ou de dentro de buracos. É perigoso confiar. Onde quer que eu me encoste, tem algo espreitando cada movimento pulsante que faço. A caçada aqui é livre e acontece todo dia. Dentes e garras valem mais que um sorriso. É preciso estar atento ao que vem de cada lado. Só queria um simbionte, mas não acho nada em volta. Seja séssil ou natante, eles vivem sem sentido, com o único objetivo de sobreviver. As almas por aqui só têm olhos e estômagos. E é por isso que me escondo, é por isso que eu fujo. É por isso que me encho desse amargo veneno. É por isso que o que toco, sente espasmos urticantes. É por isso que minha pele contamina o corpo deles. Ela só quer me proteger. É por isso que eu parto e desço cada vez mais fundo, à procura de paz.
Aqui em baixo, quase não há luz.
O profundo caos marinho é o universo ao contrário. Escuridão total e estrelas espalhadas. Elas piscam e escrevem algo no painel a minha volta. Existe algo ao meu redor que quer se comunicar. Mas não consigo vê-los. Talvez nunca chegue a tal. Talvez nunca os compreenda. Como serão esses seres? Em rápidos impulsos, se deslocam a todo tempo. O movimento é tão lindo que prende minha atenção. Esse jogo de luzes frágeis brinca com meus sentidos e me deixa um pouco tonto. De repente, não sinto mais nada. E percebo que fechei os meus canais, impedindo a água agora. Totalmente paralisado, não consigo respirar. Estou caindo num abismo, e não posso ver o fundo. É quando vejo a ti.
Dançando a valsa das águas-vivas.
Sua cor é diferente. Seus movimentos também. São leves e sutis, mas espanta todos em volta. Sabes manejar a água e usá-la a seu favor. Logo, teu calor me alcança e eu acordo, enfim, da queda. Não sei mais aonde estou, nem como voltar ao raso. Sinto que tudo que eu tenho que fazer é te seguir. Nada te atinge, suas manobras são perfeitas. És a proteção em epiderme, mesogléia e osso. És a calma transparente e iluminada por si mesmo. Chego perto, preciso te sentir. Te passar a sensação que não cabe em minha cavidade. De repente, percebe minha presença. Me convida pra dançar e eu sigo o teu chamado. Nós fazemos cada passo como se fosse automático. Nós descemos e subimos, espirais, redemoinhos... e o mar é todo nosso.
E então, nossos ropálios se tocam.
Se eu tivesse, agora, um músculo toráxico que estimo que terei só daqui a milhões de anos, ele com certeza estaria explodindo. E eu fervo ao seu toque, e brilhamos como um só. Retornamos à superfície numa bolha de sabores. Tudo agora é tão mais claro, mais seguro e mais estável. A aventura continua, e não nos separamos mais. Nossas ondas se espalham e sentimos nossos poros. Não há nada comparado à cor de nossos corpos.
A vida aqui embaixo, agora é muito mais azul.
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